Por Vanderlei de Lima 03/09/2011
A mídia parece, salvo raríssimas exceções, odiar de morte as torcidas organizadas de futebol deixando, por isso, no ar a seguinte questão: Por que razão age desse modo?
É difícil formular uma resposta objetiva, mas posso levantar uma hipótese não desprezível à luz do que já constataram outros estudiosos. O que a mídia odeia é o aspecto de ordem à moda militar presente nas organizadas.
A base desse raciocínio se encontra nas seguintes constatações: as torcidas organizadas, não obstante o seu samba e a sua aparente folia, representam com seus uniformes (fardas), símbolos, bandeiras, baterias, etc. certa ordem benfazeja que incomoda os partidários do caos revolucionário.
Com efeito, escreve o professor universitário, advogado e líder católico brasileiro Plínio Corrêa de Oliveira, em seu livro Revolução e Contra Revolução (esta, entendida como o mal que visa a desfigurar a civilização cristã, odeia a ordem e tudo o que a representa), que: “A farda, por sua simples presença, afirma implicitamente algumas verdades, um tanto genéricas, sem dúvida, mas de índole certamente contra-revolucionária:”
“- A existência de valores que são mais que a vida e pelos quais se deve morrer, – o que é contrário à mentalidade SOCIALISTA, toda feita de horror ao risco e à dor, de adoração da segurança, e de supremo apego à vida terrena.”
“- A existência de uma moral, pois a condição militar é toda fundamentada sobre ideias de honra, de força posta ao serviço do bem e voltada contra o mal, etc.” (São Paulo: Diário das Leis, 1982, p. 38 – destaque meu).
Ora, as torcidas organizadas, embora nem sempre tenham consciência de seu papel, representam essa ordem ao modo militar na sociedade, segundo constatam abalizados autores, a começar por suas nomenclaturas: linhas de frente, escolta (batedores), bandeiras, demarcação de territórios nas ruas (pistas) ou nos estádios, falar em “jogo de guerra”, etc. (cf. Carlos Alberto Máximo Pimenta. Torcidas Organizadas de futebol: violência e autoafirmação. Taubaté: Vogal, 1997, p. 100).
Informações recolhidas por Helio Pavan Filho junto ao 2º Batalhão de Choque da Polícia Militar de São Paulo dão conta de que “desde os tempos medievais os exércitos têm uma bandeira, um general, uma banda e um território a ser conquistado. Esses elementos se repetem na ação das torcidas organizadas. A bandeira do clube, idolatrada pelos torcedores; o líder da torcida, que exerce o papel de comando, como os generais; o batuque, que exalta os ânimos, e o estádio de futebol e suas cercanias, o território a ser conquistado (Torcidas organizadas: reflexões sobre a violência no futebol. Campinas: PUC-Campinas, 2000, p. 86).
Eis uma grande razão pela qual as torcidas organizadas parecem incomodar a mídia revolucionária. Não estão os jornalistas, que acusam as organizadas, preocupados com a violência que grassa a sociedade de nossos dias, mas, sim, com o espírito de ordem à moda militar ou do cavaleiro medieval, que impera nesses grupos de torcedores em oposição ao caos em que vivemos.
Aliás, sabe-se que as torcidas não vivem só de confrontos. Basta comparar quantos jogos ocorrem anualmente no Brasil e quantas mortes há neles. O difícil, porém, é essa mídia, sensacionalista e, por vezes falseadora da verdade, reconhecer o grande lado bom dos torcedores.
Todavia, a mídia tem jornalistas éticos e de bom senso. É o caso de Carlo Carcani Filho que bem relatou a reação da torcida bugrina no jogo Guarani e Flamengo, em 29 de agosto de 2010, no Brinco de Ouro da Princesa, em Campinas, SP, com o seguinte texto:
“Impaciente com os erros de arbitragem neste Campeonato Brasileiro, a torcida do Guarani perdeu o que lhe restava de paciência com o homem do apito depois que Arilson Bispo da Anunciação deixou de dar o pênalti de Marcelo Lomba em Mazola, domingo (...).”
“A reação dos torcedores do Guarani foi curiosa e inteligente. Ao invés de arremessar objetos no gramado ou gritar frases de incitação à violência, a torcida optou por um desconcertante coro de “vergonha, vergonha” (Correio Popular, 31/09/10, p. B 9).”
Portanto, ao falar em torcidas organizadas é preciso ser justo: não se deve, jamais, ser condescendente com os exageros cometidos por seus membros, porém não se pode generalizar arbitrariamente esses grupos dizendo que todos os torcedores de organizadas são violentos. Isso faz a mídia enganadora e sensacionalista, mas a população não pode, em nome do sadio senso crítico, acompanhá-la.
Apenas para concluir esse raciocínio permita-me, prezado leitor, transcrever de Maurício Murad este parágrafo: “Michel Maffesoli, sociólogo e professor da Sorbonne, seguindo uma linhagem crítica, cunhou o trinômio ‘midiacracia, mediocridade e mesocracia’. ‘Sem objetividade nem subjetividade’ – assim, no seu tempo, Georg Lukács, filósofo marxista da arte, definia a maior parte dos jornalistas. É de Georg Bernard Shaw a demolidora sentença segundo a qual os jornais são incapazes de distinguir a diferença entre um acidente de bicicleta e o colapso da civilização, e de Mahatma Gandhi aquela em que dizia acreditar na igualdade para todos, menos para jornalistas, repórteres e fotógrafos” (A Violência e o futebol: dos tempos clássicos aos dias de hoje. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 37).
Exageros e generalizações à parte, nessa mesma fonte se lê que Napoleão Bonaparte dizia: “Tenho mais medo de uma gazeta [jornal] hostil do que de cinco exércitos no campo de batalha”. Todo cuidado é pouco e o senso crítico ante os noticiários deve ser buscado a todo o custo a fim de se poder formar uma opinião realmente isenta de preconceitos e sofismas ou manipulada por certa imprensa tendenciosa.
Apesar das campanhas sociais e das festas promovidas, órgãos de imprensa insistem em apresentar, talvez pelas razões apontadas por Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro Revolução e Contra-Revolução, o lado negativo das organizadas que tentei desmistificar aqui, ainda que seja minha intenção, de acordo com o interesse das próprias torcidas, aprofundar-me no assunto em um próximo artigo, se Deus quiser.
De resto, fica para nós a sábia sentença do filósofo e teólogo brasileiro Estevão Bettencourt a ensinar que: “O mal faz sempre grande alarde; é o escândalo que corre de boa em boca. Ao contrário, o bem é discreto e, muitas vezes, invisível” (Pergunte e Responderemos n. 462, novembro de 2000, p. 493).
*Vanderlei de Lima é professor, filósofo, com curso de Extensão em Direito e Punição pela PUC-Campinas, autor de livros sobre Organizadas e dirige a TOPPAZ, Torcida Organizada Pela Paz, .