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Por Vanderlei de Lima 22/10/2011

Descaracterizar Torcidas organizadas: qual a eficácia?

Um presidente de torcida organizada ligou-me esses dias com uma pergunta intrigante: até que ponto banir torcedores dos estádios resolve o problema dos torcedores violentos no Brasil? E mais: impedir uma organizada de entrar caracterizada nos Estádios pode levar a paz ao futebol?

Respondo, com base em recentes pesquisas, que apenas 16% dos brasileiros acreditam que o banimento do torcedor é eficaz, segundo o jornal de esportes Lance!, de 18/08/10, p. 28-29, Descaracterizar torcidas também é ineficaz, por conforme veremos em outras fontes.

Começando pelas formas de banir, lembro que a Inglaterra adotou, a partir do ano de 2000, medidas severas expulsando judicialmente das partidas os torcedores envolvidos com alcoolismo, vandalismo e “até por terem tatuagens consideradas ofensivas”. Dependendo da gravidade do ato, o torcedor fica impedido de “voltar aos estádios por até dez anos. No caso de jogos da seleção ou, quando seus clubes jogam no exterior, os torcedores que estão impedidos de comparecer aos estádios são proibidos de deixar o país e devem se apresentar à Justiça 24 horas antes de tais eventos, para provar que não estão nos jogos”.

“Consta que, em 2006, na Inglaterra, cerca de três mil torcedores, classificados de maus torcedores, foram banidos do futebol, com penas que oscilaram entre um a três anos, havendo um caso de banimento perpétuo, sem prejuízo de algumas condenações concretas à pena de prisão em regime fechado” (Paulo Sérgio de Castilho. Ações práticas e propostas legislativas de combate à violência no futebol. A Criminalização é o caminho? São Paulo: F.P.F., 2010, p. 19).

O caso inglês, porém, não é tão simples assim, de modo que o renomado estudioso Dunning, citado pela Dra Heloisa Helena Baldy dos Reis, assevera o seguinte: “quando o hooliganismo inglês começou a definir-se como um ‘problema social’ para o qual havia de se achar uma solução, as autoridades do futebol e do Estado responderam, sobretudo com medidas ‘de lei e de ordem’, assim sendo, mediante castigos e controles. Esse método recebeu um apoio substancial dos meios de comunicação. Entretanto, as consequências dessa política não têm sido erradicar o hooliganismo, como se queria, senão criar outros quatro problemas, a saber: (1) deslocar dos campos de futebol as formas mais sérias do comportamento hooligan; (2) aumentar a solidariedade entre os hooligans; (3) aumentar a assistência de ‘homens duros’ com vontade de briga nas partidas de futebol; e (4) aumentar a organização e sofisticação desses garotos violentos no que se refere às brigas no âmbito do futebol (Dunning, 2003, p. 180, trad. livre apud Futebol e Violência. Campinas: Fapesp/ Autores Associados, 2006, p. 39).

Recentemente, em pesquisa de campo, um torcedor membro de uma das grandes organizadas do Estado de São Paulo contou-me que estando na Inglaterra conseguiu, por intermédio de um primo seu residente lá, ir a um pub de hooligans. Estes, apesar de serem muito fechados, o receberam bem, mostrando-lhe inclusive marcas das violentas batalhas travadas contra outros grupos de torcedores em lugares desertos e pouco policiados daquele país. Dunning está, pois, com a razão ao dizer que a lei severa apenas tirou os baderneiros dos estádios, mas não os extinguiu e nem os extinguirá. Ao contrário, poderá fazê-los, pela solidariedade recíproca, crescerem ainda mais em número.

A Itália também aplicou, nos anos de 1990, portanto dez anos antes, lei semelhante à inglesa e baniu mais de 4.000 torcedores considerados violentos dos estádios. Ora, Lucas S., apelidado de Touro, chefe da Torcida Boyz, do Roma, pode – segundo Helio Pavan Filho – “ser um vândalo, mas faz uma ponderação interessante. Diz que ‘a Lei é burra, pois não deixa os torcedores irem aos estádios, onde são monitorados de perto pela polícia, mas permite que se reúnam à vontade em outro lugar (...). Esse tipo de falha na Lei impede que grandes confusões aconteçam nos estádios, mas possibilita incidentes graves fora deles. No caso da Itália, o jogador Giuseppe Baronchelli foi espancado por torcedores do Brescia, clube que defendia na época, em dezembro de 94. Seus agressores foram torcedores do próprio Brescia e a justificativa foi de que ele ‘não tinha dado a alma ao time’. Baronchelli não foi o único a sofrer a fúria dos brescianos. Ainda segundo a Placar [revista de esportes], os carros dos jogadores Bonetti e Scorini ‘viraram ferro-velho nas mãos dos torcedores’” (Torcidas Organizadas: reflexões sobre a violência no futebol. Campinas: PUC- Campinas, 2000, p. 67 – grifos meus).

Comentado esse ponto – ineficiente das medidas punitivas da Inglaterra e da Itália –, o jornal Lance! fala a respeito da ineficácia do impedimento de o torcedor ir aos jogos de seu interesse também no Brasil com as seguintes palavras: “O brasileiro não acredita na eficácia de uma medida muito comum na Europa: a apresentação dos baderneiros em uma delegacia duas horas antes do jogo de seu time e uma permanência detido até duas horas depois do jogo”.

Nosso questionamento é: como se pode acreditar na medida atrás proposta se o Estado não cumpre nem o seu dever básico do dia-a-dia? Exemplo: Diário de São Paulo, de 7 de abril de 2011, p. 2-3; “Vizinhos dos noias. Moradores de Campos Elíseos, próximo à Cracolândia, vivem presos em suas casas. Enquanto isso, traficantes e viciados andam livremente pelas várias ruas do bairro.”

No Brasil, ainda não se adotaram medidas prevendo o banimento total, mas algumas federações de futebol estão suspendendo de entrarem devidamente caracterizadas, ou seja, com faixa, roupas próprias, bateria, etc., nos estádios, torcidas que brigam entre si e/ou enfrentam a polícia, além de impedirem alguns torcedores de ir ao jogo, sem prejuízos à torcida. Ponto correto, pois atinge a pessoa e não a instituição. O estudioso Rodrigo de Araujo Monteiro, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em sua obra Torcer, lutar ao inimigo massacrar: Raça Rubro Negra (Rio de Janeiro: FGV, 2003), demonstra, no entanto, fundamentado em pesquisas de campo, que apenas impedir o torcedor de entrar caracterizado no estádio é insuficiente para reduzir os conflitos entre as torcidas rivais, pois os torcedores, ainda que à paisana, ficam se provocando violentamente do mesmo modo que faziam caracterizados (cf. p. 87-88). Não seria melhor fazer valer o artigo 13- A, IV e V do Estatuto do torcedor, que proíbe ofensas recíprocas em cartazes ou letras de músicas, do que descaracterizar torcidas?

Ainda outras questões: se descaracterizar torcidas nada resolve, por que se insiste nessa prática? E mais: se entre os torcedores caracterizados, as autoridades já não conseguem identificar os baderneiros e, por isso, pune uma organizada inteira por erro de alguns, como farão os agentes da segurança pública se houver problemas dos descaracterizados entre si ou deles contra uma torcida caracterizada?

Quem serão os punidos: os que já estão suspensos de entrar paramentados nos estádios e deram início ao tumulto ou (absurdo!) os que ainda podem, por boa conduta aos olhos das federações, ir caracterizados, mas – por ineficácia da segurança – foram atacados pelos descaracterizados e tiveram que se defender? Para Organizadas não vale a legítima defesa?

São questões que o bom senso e a ciência colocam às federações que suspendem torcidas de irem caracterizadas aos estádios. Descaracterizar o torcedor brasileiro nunca foi solução para a violência. A solução é: trabalhar pela formação dos membros de organizadas para que se respeitem mutuamente no dia-a-dia e nos eventos esportivos; que os presidentes, independentemente da rivalidade, dialoguem entre si (e cada um com a sua torcida) e acertem a ida e a volta dos visitantes e a permanência deles no estádio na PAZ; depois, caso alguns torcedores não cumpram o que é norma básica da civilização, viriam as punições aos baderneiros dentro da própria Organizada e, por fim, da parte do Estado que aplicaria sanções individualmente (inclusive a diretores ou presidentes que acobertam os estúpidos) ou de modo coletivo, caso a Lei a que todos estamos sujeitos, seja descumprida. Esse parece ser o caminho correto, mas poucos querem percorrê-lo.

*Vanderlei de Lima é professor universitário, filósofo e escritor.
Dirige o projeto TOPPAZ, Torcida Organizada Pela Paz. E-mail: .

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